26.7.10

dois meses: primeiro dia

o fim-de-semana: cheio cheio. sábado almoço no tailandês, tarde no parque com os amigos, bicicleta, sesta no sofá da casa que daqui a uma semana será também minha, jantar no mexicano, mas a horchata acabou, e se calhar um burrito vegetariano chega para os dois. bicicleta bicicleta pelas ruas de brooklyn, o o fogo picante do jantar subitamente apagado pela chuva que jorra da boca de incêndio, esse delírio dos ciclistas encalorados. festa! chegamos a um terraço onde toda a gente conhece alguém, mas onde a maioria não se conhece. baldes de gelo e cerveja, faz falta música para abanar o corpo e a cabeça, para soltar os restos da semana, os restos das preocupações do meio da testa naquele ponto preciso onde uma fina agulha de acupuntura se sente mais que todas as outras.

23.7.10

primeiro mês: vigésimo sétimo

porque é que não vais para casa? és estagiária! não devias ficar até tão tarde...
bem, porque não?
ah, já percebi, eu sei o que se passa. ficas até tarde aqui porque não queres ir para casa.

na mouche.
se calhar só em parte. se calhar só hoje que estou mais chocha me parece que sim, ele tem razão e que não, não me apetece voltar para casa depois do trabalho. de repente toda uma teia de desculpas esfarrapadas se parece revelar. mas também pode ser só do cansaço, nunca saberei, mas também não interessa.

22.7.10

primeiro mês: décimo oitavo ao vigésimo sexto

hoje tenho pelo na venta! venho em tom de ralhete, pespineta, e com rock & roll como banda sonora (obrigada ana). porque sinto um burburinho de exigência, porque sinto que é suposto isto e é suposto escrever para não desiludir ninguém.

de certa forma também eu me iludi inicialmente por pensar que escreveria todos os dias. mas atenção! o que isto vem provar é precisamente aquilo que eu queria deste projecto: a intensidade e imprevisibilidade desta experiência retratadas o mais fielmente possível.

viver e contar o que se vive é por vezes uma tarefa ingrata. se ocasionalmente dou por mim a fazer algo ou ver altgo e pensar que quero partilhar esse momento aqui, outras vezes invade-me uma vontade de ficar em casa só a escrever em vez de me ir divertir e descobrir mais coisas novas. felizmente raramente cedo a essa vontade. saio do trabalho por volta das sete e meia e nem entrar no metro me apetece. apetece-me sim andar andar andar. se não tiver nada combinado ando. por ali fora, olhos bem abertos que sabem que não preciso de um plano nem um mapa para chegar onde quer que o vento me levar.

não parei o blog, porque ele está sempre na minha cabeça. é um desafio para mim que me obriga a perceber o que é que vou sentindo e quem sou nesta experiência. o que deito cá para fora é resultado dessa análise e na verdade não me seria natural escrever só sobre coisas, sem as sentir. porque não quero contar apenas o que faço, mas o que vivo, e para isso preciso de tempo às vezes.

13.7.10

primeiro mês: décimo sétimo dia

A propósito do assunto do último post (até porque os estou a escrever no mesmo dia, batoteira) e sobre a questão das oportunidades estarem mais à mão de semear em certos contextos, hoje passei a fazer parte de um projecto independente que, se tudo correr bem, me dará tanto trabalho quanto prazer. fui convidada pelo meu futuro colega de casa - sim é oficial, em Agosto estarei a morar num loft, com novos roommates da minha idade, mas conto mais sobre isso em breve! - para fazer parte da organização de um festival nuit blanche em brooklyn. É um projecto de dimensões pequenas organizado por um grupo de intervenção 'comunitário' chamado DoTank Brooklyn. Estou super entusiasmada por fazer parte disto e principalmente por ser algo pequeno onde todos trabalham em equipa, algo ao qual não estou muito habituada a fazer. É algo que está completamente embebido na cultura norte-americana, porque eles basicamente crescem a sentir que fazem parte de uma dada comunidade, vendem limonada no passeio, brownies, conhecem os vizinhos, ajudam os vizinhos, organizam coisas, mexem-se a uma escala que é pequena, mas esse mexer dá-lhes ferramentas para que quando algo grande lhes aparece à frente, seja muito mais fácil aplicar os mesmos princípios.

Alias, isto lembra-me a escola em que andei na primária, onde se seguia o movimento escola moderna. todos trabalhavamos em conjunto e cada um tinha uma tarefa, faziamos assembleias, planos semanais de trabalho onde nós próprios decidiamos o que iamos trabalhar e que nós mesmos avaliávamos no fim da semana. quando cheguei ao quinto ano, numa escola nova, senti que não tinha aprendido nada na primária e que estava significativamente atrasada em relação aos meus colegas vindos de escolas convencionais. Porque o foco na minha escola era na formação pedagógica, na transmissão de valores, na partilha, na ajuda. No Externato Fernão Mendes Pinto, em Benfica, aprendiamos coisas que não eram quantificáveis numa escala. As contas de dividir e os rios de Portugal estavam no programa, mas que eu saiba nem eu nem os meus colegas as aprendemos até mudarmos para um sistema convencional e sermos formatados para pensar como indivíduos, levados a competir com o colega do lado por notas melhores. Suponho que por causa dos anos que se seguiram à primária, destreinei-me desses trabalhos de grupo, virei-me para dentro, passei a ter dificuldades em expor as minhas ideias e em partilhar processos, mais do que soluções e objectos acabados. Estou a reaprender, e por isso este tipo de projectos só podem ajudar a desenterrar esses valores que me foram ensinados numa fase tão elementar. Mais uma vez, esqueço a lógica (será que este projecto tem pernas para andar? será que vou perder o meu tempo a trabalhar nisto?) e sigo as emoções e o instinto que, embora num tom mais indistinto, me dizem para ir em frente, e a todo o gás!

primeiro mês: décimo sexto dia

De novo com a minha bicicleta na cidade! Segunda-feira e lá vou eu a zarpar para começar uma semana novinha em folha cheia de energia! O calor terrível que se fez sentir na semana passada e que não me deixou dormir (a não ser com uma toalha molhada em cima no pior dia) passou e com ele foi-se também a moleza. Toca a acordar para a vida! E agora que aparafusei a nova campainha (vou tirar uma fotografia em breve!) toca também de acordar os peões que se deixam dormir e vão para a ciclo-via olhar para o dia de ontem! trrrrrrrrriiiiiiimm!!! vummmmmmm!!! lá vou eu e com tanta onomatopeia quase pareço saída do manifesto anti-Dantas! Bolas nem acredito que o Almada só tinha 23 anos quando o escreveu! O que é que se passa hoje em dia com as pessoas do nosso país? ficou tudo mais preguiçoso ou quê? Saímos mais tarde de casa dos pais (olhem para mim...) e dizemos que é a crise e tal! Crise crise é aqui nos estados unidos onde TODOS os alunos universitários estão endividados até à ponta dos cabelos simplesmente porque estudar é absurdamente caro. E no entanto estudam, e trabalham se for preciso em dois ou três empregos no verão e aos fins-de-semana e quando chegam à idade de ter filhos com sorte já pagaram tudo. Acho inadmissível que assim seja, longe de mim defender este sistema! Mas começo a sentir alguma vergonha alheia quando penso que as pessoas novas do meu país se mexem pouco. Reformulo: Parece-me a mim que se mexem pouco. Visto de fora, visto de uma perspectiva global, no grande panorama das coisas. de uma forma geral que deixa sempre de fora casos particulares. E atenção que estendo a crítica a mim mesma. porque sinto que comecei tarde, apesar de tudo. porque designers com a minha idade noutros países fazem estágios de 3 meses em inúmeros ateliers enquanto estudam. quando finalmente acabam a faculdade estão muito mais preparados para o mercado de trabalho e saem já com um currículo que lhes permita ter, nem que seja pela primeira vez, um trabalho bem pago.
Um dos designers que trabalha comigo é Sueco. A universidade para ele foi à borla. nem sei o que dizer, sinto que estamos a anos-luz de lá chegar. Agora que aqui estou, e à medida que vou conhecendo pessoas de outros países e as suas histórias, percebo como são diferentes os funcionamentos de cada país e o quanto isso tem influência nas oportunidades a que temos ou não acesso.

primeiro mês: décimo quinto dia

acabei de me aperceber de que não faz muito sentido escrever "primeiro mês: décimo quinto dia" porque afinal de contas o primeiro mês já passou e agora estou no segundo... mas para já não me apetece mudar.

apetece-me é contar que no domingo fui ao Metropolitan Art Museum, que vi Arte Antiga Egípcia, Grega, Romana, e por fim chegada à seccção de Arte Moderna, deliciei-me com obras que tantas vezes vira em imagens, livros, sites. Dalí, Miró, Chagal, Picasso, Andy Warhol! o impressionante tubarão do Damien Hirst! 

Lembro-me das discussões acesas que tive sobre esta peça mas ao vivo é tão forte que quase-quase-quase sinto que está justificada por si só. Como pode não ser arte se nos faz sentir algo assim tão forte, se nos desperta e aguça os sentidos? é polémica sim... e agora estou ainda mais dividida porque embora acredite que um aspecto importante na criação da obra de arte esteja na criação de um novo contexto (tubarão num tanque exposto numa galeria; urinol numa galeria), por outro, não defendo que então deixem de haver limites e tudo o que se faça possa ser entendido como arte desde que esteja numa galeria ou desde que algum coleccionador o queira. sinto-me altamente leiga neste âmbito, mas intriga-me, quero chegar a uma opinião e não consigo. uma mente formatada para as ciências que só recentemente se voltou para o meio criativo. estudei engenharia do ambiente e mudei para design no fim do primeiro ano por acreditar que enquanto comunicadores, os designers teriam um maior poder para mudar o mundo. 

Mas na verdade o que me interessavam eram os mesmos assuntos que me tinham levado a estudar biologia e química. só recentemente comecei a ter contacto com arte e a pensar a arte enquanto algo útil. e não fútil como pensava antes, atrevo-me a admitir. Sempre desenhei desde que me lembro de existir e no entanto pensava que desenhar não servia para nada. hoje penso em trabalhar como ilustradora porque, bem vistas as coisas, é o que me dá mais prazer fazer.

Fundamentalmente toda esta procura interior resulta de uma maior busca do sentido da vida. e não consigo deixar de me rir para mim quando escrevo isto e me vejo transportada para o hilariante filme dos Monty Python com o mesmo nome. Mas mais que a procura por uma resposta, estou interessada é em saber qual é a pergunta. será que a questão ao qual devemos dar resposta na vida é mesmo: o que é que nos dá prazer? 

O meu coração acelera quando vejo documentários da vida selvagem mas também atinge ritmos alucinantes quando me deparo com um quadro do Pollock, independentemente de ele ter querido dizer algo de importante ou não ao pintá-lo. Será o 'sentir' um indicador mais fidedigno de que estamos realmente em contacto com o que nos faz mais felizes? Acredito que sim (depois de muito insistir no não).

10.7.10

primeiro mês: décimo quarto dia (parte três)

sim ainda aqui estou. não há dois sem três!
mais fotografias, hoje estou uma mãos largas.

exposição no New Museum
 

primeiro mês: décimo quarto dia (parte dois)

pausa para lanche, e cá estou de volta com um assunto extremamente fútil para dissecar. um assunto cheio de corrector de olheiras, de blush, de rimmel, de saltos de 20 centímetros o que em inches não faço ideia o que será.

no meu primeiro dia de trabalho, um mês e dez dias atrás, lá fui eu toda fresca e fofa para o metro, feliz da vida. nessa altura estava numa casa provisória que era um bocado mais longe de manhattan, e o metro estava quase vazio. e o quase que foi ficou-me gravado na parte de trás da cabeça onde ficam gravadas coisas e nós nem sabemos bem porquê. uma das pessoas era um rapaz. e eu achei mesmo estranho que ele estivesse a tomar o pequeno almoço em pleno metro. tinha um saquinho de papel craft numa mão, de onde tirou uma salada de grão que foi comendo enquanto segurava entre os pés um copo de café daqueles do starbucks. achei estranho! pensar nisso agora até me dá vontade de rir. porque estranho para mim agora é uma coisa bastante diferente, se é que alguma coisa o é. vi um homem com a cabeça toda tatuada a usar calções cor-de-rosa e vi um cowboy em cuecas a tocar viola. estranho é marte!

primeiro mês: décimo quarto dia

finalmente posso escrever pelo dia dentro! um sábado de chuva tropical é mais que motivo para ficar em casa a ler, desenhar, ouvir música e actualizar o blog! ora aqui vai então:

no décimo quarto dia, acordei cedinho e ainda meio adormecida voltei a abrir o macbook que tinha ao meu lado, também ele ainda a dormir sossegadinho. e foi então que uma nova iorque dos anos sessenta e a preto e branco me voltou a encher o quarto. quando acabeie ver o Manhattan do Woody Allen, continuei na ronha por mais uma hora, comi cereais, falei com o meu gonçalo pelo skype, espreguicei-me, levantei-me, arrumei o quarto todo e depois de banhos e coisas quotidianas saí de casa.


O Cesto
no décimo terceiro dia, sexta-feira, ao voltar do trabalho saí do metro e ao vir para casa encontrei um cestinho na rua. já não me surpreendo com a quantidade de coisas que as pessoas põem à porta de casa e já parei várias vezes ao pé de muitas delas a considerar sériamente leva-las comigo. todos os dias vejo roupa, cadeiras, camas, secretárias, sapatos, livros livros livros, mais cadeiras, mais mesas, todo o tipo de electrodomésticos, computadores. e o mais extraordinário é que a maior parte das vezes as coisas até estão em bom estado. Aqui em casa temos muitos móveis que vieram de outra casa, e eu acho fantástico que assim seja. sabe-se lá que histórias terão estes inquilinos silenciosos guardadas nos seus vértices e arestas! pois eu acolhi este cestinho ontem à noite e gosto muito dele. hoje até o levei a passear, dando-lhe um uso ao qual já não deve estar habituado. lá fomos nós rua abaixo, eu com ele pelo braço, ele com os meus livros para entregar na brooklyn public library. troquei-os por dois novos e voltámos a sair para a rua em diracção ao mercado que fica mesmo ao lado e à entrada do prospect park. Aí é que o cesto se encheu de orgulho! levou-me rúcula, pêssegos, cogumelos, tostinhas de sésamo e flores, flores! o que eu precisava de flores novas que me animassem depois desta semana mais chocha. agora sim estou pronta para o que der e vier! e mais, a chuva varreu e lavou o ar e espero que já não esteja tanto calor... enfim, assim voltei com o meu cestinho pelo braço, depois da biblioteca, depois do mercado, depois até do elogio de um rapaz a quem os girassóis lhe iluminam o dia.
chegada a casa, compras arrumadas e a minha roommate pergunta pelo cesto, de onde veio. eu conto que o encontrei e vejo a expressão a mudarse-lhe na cara. alguma problema? disse-me que tinhamos de ter muito cuidado com os terríveis bedbugs, uns bichos que eu nunca ví. por isso agora o cesto está de castigo na banheira a secar. fim

de volta ao dia de hoje... continua a chover torrencialmente! e se por um lado às vezes sinto que ainda não vi quase nada, exposições, concertos, toda a imensidão de coisas que a cidade tem para oferecer, por outro lado estar quieta um bocado só no meu espaço sabe-me mesmo bem. A verdade é que eu não sou nem turista, nem residente, estou entre os dois pólos. e por isso acontece-me sair do trabalho durante a semana, cansada, e pôr-me a andar pelas ruas sem saber bem onde ir porque já é noite, a observar as pessoas, ainda a descobrir, sim! e também acontece, como hoje, ter tempo e precisar de não ir para lado nenhum. (por acaso nem é verdade porque logo à noite vou a uma inauguração com amigos).

7.7.10

primeiro mês; primeiro ao décimo primeiro dia

passaram 11 dias desde que aqui escrevi, 11 dias desde que fez um mês que aqui cheguei. podia até ser apenas coincidência, mas algo me diz que não é. algo mudou e só agora me apercebo disso. as coisas que eram novidade deixaram de o ser, e com o tempo vou-me habituando às pequenas grandes diferenças que todos os dias me entram pelos olhos, pela pele dentro. criei uma rotina e, pouco a pouco vou sentindo que faço parte deste fluxo imparavel de gente, ideias, informação, pessoas pessoas pessoas, táxis, bicicletas, comida, comida. sinto-me fluir como o vento que sai dos milhares de ares-condicionados dos quais os novaiorquinos dependem mais que de outra coisa qualquer.

o que é novo vem agora de dentro. daí a ausência de uma fotografia que ilustre o que quero contar hoje - sobre os últimos 11 dias, os primeiros a seguir ao primeiro mês.

gosto de listas, mas não sei se uma me ajudaria nesta tarefa. estou a pensar como fazer isto, como partilhar algo que até aos meus olhos me parece ainda difícil de perceber. é algo em bruto, suponho. como tal, se tudo isto vos soar estranho, confuso, complicado, simples, em espiral e do avesso, então provavelmente fui bem sucedida.