a avó pediu-me para escrever posts mais curtos mas mais frequentes, porque assim podiam saber de mim, como eu estou e tal, como é a vida por aqui.
e eu fiquei a remoer uma coisa difícil de mastigar, como aquelas carnes assadas que faziam bola, ou nervos dignos de horas de batalha dentária. e finalmente percebi. fez-se o clique e percebi esta coisa do blog e o porquê de escrever cada vez menos.
é que na verdade eu não quero contar as coisas mundanas, ou fazer um retrato da cidade, das suas pessoas, hábitos, costumes, pequenas coisas do meu dia-a-dia, grandes eventos, como fazer 26 anos longe de casa pela primeira vez. até podia, e os assuntos nunca teriam fim. seria entusiasmante, enquanto reflexão, análise objectiva, mas mais que análise, exposição, do que estou a viver. mais light e consequentemente, menos extenuante, menos esgotante, quiça até por isso, mais frequente. quiça.
e porque não então?
é que até eu já estou farta destas análises sobre mim, sobre mim mim mim. análises em lisboa, análises em nova iorque! o tempo passa e as análises continuam, a procura incessante mantém-se, e rouba o tempo ao desfrutar, ao saborear, ao sentir sem pensar (e pesar!) tanto.
tendo escrito isto, dou por encerrada (pelo menos por hoje, sejamos francos, não é fácil mudar hábitos do dia para a noite) esta fase do post. e nas linhas que se sucedem vou tentar ser mais leve, clara e visual.
vamos ver como corre.
na esquina da rua onde eu trabalho há um homem que toca guitarra eléctrica e canta músicas rock & roll. quando passo sorrio-lhe e ele devolve-me o sorriso. na verdade ele continua como se nada fosse, e eu também, mas gosto de imaginar que dizemos olá um ao outro num simpático gesto de reverência mútua, não manifestada, antes de continuarmos com os nossos dias.
o metro parece um anúncio da benetton, e com o tempo habituamo-nos tanto às ratazanas a saltitar nas poças dos túneis, como às raparigas que se maquilham na carruagem (acho que já escrevi sobre isto antes, e eu própria já o fiz). podia escrever um livro inteiro só com situações passadas no metro. e teria um capítulo só dedicado aos músicos, isso de certeza. Acho mesmo que podia até viver no metro e nunca me aborrecer. é um lugar maravilhoso e imundo.
já à superfície, no outro dia, um esquilo correu para me tentar roubar um bocado do meu wrap. logo a seguir fugiu. acho que só se estava a fazer de interessante, porque é adoravel e tal. eu ia desmaiando de felicidade.
será que isto é relevante? como é que eu condenso, as coisas que tão facilmente deixaria escapar e descer pelo cano da memória selectiva, como é que uso este espaço para as reviver vezes e vezes sem conta? e quais são as que quero guardar?
ah, já sei uma. está visto que o importante é fazer as perguntas certas.
agora que o verão acabou, se tiver de escolher uma imagem que simbolize o verão em nova iorque (ou neste caso, em brooklyn), será a de uma boca de incêndio com água a saír num repuxo gigante que eu e os meus amigos atravassamos nas nossas bicicletas. e não consigo parar de sorrir ao pensar nisso.
o outono começou e foi uma agradavel surpresa ver como é uma estação com características tão marcadas por aqui. ou pelo menos para mim que de repente vejo tudo com olhos esbugalhados. nunca tinha visto tanta abóbora junta, confesso. chega a ser hilariante porque de um dia para o outro as ditas são usadas para tudo, desde decoração (as mais pequenas até servem e centro de mesa nos restaurantes) como de repente há café de sementes de abóbora, sumos, batidos de abóbora, cupcakes de abóbora, sacos das compras com desenhos de abóboras, TUDO de abóbora. o que me lembra que amanha tenho de comprar uma para o meu primeiro halloween, outro grande evento da estação que provocou um florescimento exponencial de lojas de máscaras. já tenho a minha, e mal posso esperar para a usar. não é lá muito assustadora, mas não faz mal.
os anos correram bem, surpreendentemente, o que acho que acontece quando não se espera grande coisa. recebi presentes, recebi bolos (plural!) recebi sorrisos e foi bom e quase não foi stressante. quando se estava a tornar stressante decidi que não ia ser. e, por isso, não foi. e comemos as pizzas maravilhosas, e cantámos os parabéns, e fomos para o terraço jogar matraquilhos e eu joguei mal como o raio mas marquei o último golo da noite, directamente de uma baliza para a outra. e isso chegou-me, soube-me tanto a tanto que me iam saindo os dois bolos pelas goelas, de tanto que me soube esse dia.
soube mesmo bem.
e, se calhar, esta coisa de: ah, estou a aprender muito, não tem de ser tanto assim. ok aprende-se mas não é preciso fazer disso objecto de estudo partidinho aos bocadinhos, enfiado em frascos com etiquetas. aprender é consequência inevitável do desenrolar da vida (especialmente dos falhanços que, por aqui, também os há embora não me apeteça trazer para aqui), sim. mas o que é bom mesmo, e o que também é preciso aprender, é a respirar, virar os olhos às vezes para dentro, e às vezes também para fora, nem que seja para reparar que o tipo que acaba de passar por mim sorriu para si mesmo, (provavelmente sem sequer notar), por breves instantes apenas, antes de desaparecer rua fora. tive a sorte de assistir, de realmente ver isso acontecer, e sem saber como, o sorriso seguiu-me, colou-se a mim, por um breve instante apenas, antes de desaparecer rua fora.