15.2.11

a seguir ao último

Sem saber o que lhes fazer, fui guardando as saudades num envelope e quando voltei a portugal, fechei-o e escrevi em letras gordas na parte da frente - mágoa. e esqueci o que ele continha.

olhei para ele e culpei o blog, contador de histórias felizes que se esqueceu de contar as partes menos boas. Pintou a história de cor-de-rosa e assim afastou quem eu mais precisava.

Com momentos bons ou menos bons, tudo o que vivi foi maravilhoso. E se estou triste, é pelas saudades.
Abri o envelope ao desfazer a mala, chegada a casa, e as saudades voaram para longe. mas logo ele se voltou a encher sozinho de mil papelinhos de diferentes cores e feitios que voavam e procuravam encontrar o seu lugar. E cabem todos, claro.

Desta vez fechei o envelope cheio de saudades dos meus amigos de nova iorque, da minha casa,do meu trabalho, dos ares da cidade, do metro e da neve, do verão e das panquecas de ricotta, da raquel e do michael, das minhas plantas, da minha bicicleta, dos desenhos, da jessie e do philipp.

fechei o envelope, e com uma caneta escrevi:
Amor.

14.2.11

10 dias após o regresso

Comecei este blog com o objectivo de documentar a minha experiência em nova iorque. uma pequena walnut - eu, a nogueira - na grande maçã - cidade que nunca conheci, mas muito, muito mais do que isso: novo trabalho, nova vida, viver sozinha pela primeira vez, novos amigos, sons e cheiros diferentes.

Comecei este blog com o objectivo de preservar a ligação a casa, como se fosse uma corda de segurança que me protegeria e não deixaria que me perdesse lá pelas terras longínquas, lá pelas américas, lá por aquela nova vida que pouco tinha da antiga. Não sei se o meu medo maior era de perder as pessoas ou de me perder a mim, de deixar de ser eu. Mas acho que é difícil separar os dois, tantas são as vezes em que somos o reflexo dos que nos rodeiam.

Por brincadeira, comecei este blog dizendo que assim não teria de escrever emails repetidos a contar a mesma história a diferentes pessoas. Comecei este blog para que quem quisesse, pudesse estar mais ou menos a par do que eu estava a viver.

Comecei este blog para de vez em quando olhar para trás e ver o tempo a passar nas imagens e nas palavras e sentir que cresci, que aprendi e que mesmo quando tinha dúvidas ou medos, tudo se resolveu. Ajudou ter um registo a que pudesse recorrer, que me ajudasse a lembrar de como foi chegar a um lugar que não tinha nada de meu, e como isso mudou tão drásticamente que não consigo sequer conceber a ideia de que já não estou lá.

Comecei este blog e acabo-o sabendo que ficou muita coisa por dizer. A frequência com que escrevia foi-se tornando inversamente porporcional à intensidade com que vivia fora dele, uma progressão que por vezes foi injustamente criticada, como se de uma obrigação e de um dever se tratasse.

Este blogue fez-me perceber que não são os blogues que aproximam as pessoas, nem as redes sociais. São úteis, são divertidos, mas no que toca às pessoas importantes, não se pode deixar que as relações sobrevivam à base de se dar uma espreitadela no que se escreveu e fazer um comentário. Não se pode por as relações em pausa durante oito meses, só porque eu ia escrevendo que estava tudo bem, e não telefonar a saber o que é que não foi escrito. É que a vida que acontece é a que não está escrita, mas a que se ouve ao telefone, a que se lê nos olhos e não num ecrã.

Vim dar um salto a Lisboa, mas parto para Berlim. Por graça lembrei-me que de repente a walnut and the apple poderia passar a ser the walnut and the wurst. Mas ponho a ideia de lado, e atrevo-me a experimentar uma distância mais real, mais sem corda, mas ainda assim transponível com um telefone,  um meio de informação não unidireccional como este.

5.12.10

sexto mês: onze dias

ai.
mas que parolada que para aqui vai,
que piroseira absoluta!
que MARIQUICE!!!

peço desculpa pelo último post, escrito por alguém que claramente não estava nas melhores condições psico-socio-económicas (ok, só as duas primeiras, uma vez que toda esta experiência está a ser patrocinada pela dgartes).

bus, seriously, how cheesy was that?

ok, ok, não estou para grandes discursos poéticos hoje, e olho cruamente para posts com floreados e coraçõezinhos nos "i"s, mas isso não quer dizer que me tenha tornado amarga ou fria. tentando ser quão breve quanto possível de forma a evitar possíveis deslizes e rebolões no sentido da cidade das lamechices pegadas, tenho só a dizer que adorei cada bocadinho de todos os 14 dias, 336 horas, 20160 minutos, 1209600 segundos ou algo do género que passámos juntos. o que quer dizer que gostei mesmo muito.

não quero ser insistente, uma vez que disse que não ia escarafunchar no assunto, mas gostei mesmo muito.

e agora que já passou uma semana desde que ele se foi embora, e as coisas à minha volta deixam de estar paradas como aqueles condutores que simplesmente não aguentam não olhar para os acidentes na estrada, e voltam à sua rotina, levando-me com elas, meio contrariada. mas é bom que finalmente ele tenha vindo aqui, que tenha conhecido a minha casa, os meus amigos e as pessoas com quem trabalho, as minhas roupas novas, o meu cabelo 6 meses mais comprido. as coisas de que me rodeio e que criei para mim durante estes tempos, coisas-extensões de mim.

e assim foi, vimos exposições atrás de exposições, dançámos no meio dos Rodins do Met, comemos panquecas, e risotto, e risotto número dois, e bagels e mais bagels, regados com chai lattes pela manhã, para abraçar a cultura e costumes americanos. e ele chocado com a quantidade de lixo que esta gente faz, e eu chocada com o facto de já estar habituada a isso (embora nunca use sacos de plástico no supermercado). É ridículo que, por exemplo, para um bagel de peanut butter (ou outro qualquer, escolhi este por ser o mais americano de todos, a meu ver) em qualquer lado é-nos entregue embrulhado num papel encerado, cortado ao meio e por sua vez embrulhado em papel de prata, que por sua vez repousa numa caminha de quinhentos guardanapos dentro de um saco de papel kraft. e isto é o básico.

definitivamente a vinda do gonçalo fez-me perceber que em breve voltarei para o outro lado do mundo, onde me esperam não só ele, mas todas as outras pessoas de que eu gosto e que já gostavam de mim antes de isto tudo começar. claro que tenho amigos aqui, mas são amigos que sei que dificilmente voltarei a ver e que ficarão portanto presos como etiquetas ou pins num mapa, a este tempo e espaço. mas sim, quero voltar, embora não seja tanto um regresso que sinto, mas uma nova partida, para um novo lugar, quer literal quer metafóricamente.

sair de casa - check
aprender a tomar conta de mim - check
sim, eu tive de facto uma adolescência tardia, já o dizia a minha mãe o que me lixava como tudo. mas é verdade. mas olha, check nisso também, chhhhhheeeeeck com um grande magic marker americano, um super, mega SHARPIE que é coisa que em portugal não há e que mete aquelas canetas molin a um canto. KO molins (ai saudades) que a America fez de mim uma mulher de mão na cintura e nariz não empinado mas, vá, ligeiramente empertigado de quem gosta de si. se bem que na verdade eu acho que já gostava, só que agora tenho (mai) consciência disso.

- bem, ok, muito bonito. mas e o dinheiro de onde é que vem, hã? que frutos é que vão cair desta árvore e quando? e com que balde os apanho? e se deixo cair algum será que aínda o posso comer? e os que têm bichos são os melhores frutos ou os piores?

a voz da consciência outra vez a ver se me assusta com necessidades e manias de querer ter certezas quando eu JÁ LHE DISSE que na vida não as há. raios partam que ela consegue injectar como quem não quer a coisa uma boa dose de pânico e de medo do abismo nos meus mais recentes pensamentos. mas HÁ! ela que venha com os seus truques e manhas, porque eu estou armada de um novo escudo à prova de todos os medos. SIM, eu tinha medo de vir para aqui, de vir morar para a maior cidade do mundo, no pico da sociedade moderna governada por ipods, ipads e hipertensão, sim, MAS tudo correu bem e EU defrontei as adversidades com toda minha bagagem (malas: 1, kg: 21). lutei e venci. pelo que agora possuo o escudo actimel de todos os escudos, a segurança que vem de dentro, que me reconforta à noite e me diz ao ouvido:

vai dormir maria, são duas da manhã e amanhã trabalhas.
pfff

14.11.10

quinto mês: vigésimo dia

antes do primeiro chichi, do copo de água que lubrifica as nervuras, e que ajuda a acordar o corpo quente e adormecido, mas principalmente, antes de sair da cama, eis-me aqui.

por vontade, mais do que necessidade, de agarrar (o inglês grasp, que é precisamente o que quero dizer) um momento importante. Neste caso, é o momento antes do momento, e o facto de ainda não ter oficialmente começado o meu dia só reforça essa ideia. o dia ainda não começou. este dia.

e que dia! que dia dia dia dia!!!

sei que não escrevo geralmente sobre amores e desamores. parece-me mais fácil abrir um buraco na minha cabeça e vomitar o seu conteúdo, como se isso, esse aglomerado de pensamentos e emoções, estados de espírito reflexos da experiência que estou aqui a viver, fossem separados dos chamados assuntos do coração, que embora pareça estar fisicamente separado da cabeça, está a ela mais ligado que as estações de metro, com os seus túneis e aglomerados indissociáveis de cabos e tubos subterrâneos.

o gonçalo chega hoje. já não nos vemos desde que aqui cheguei (ver título do post). acordei e vi que o meu telemóvel se desligou a meio da noite por falta de bateria. só falámos ontem antes de ele se ir deitar, com as habituais 6 horas de diferença a que tivemos de nos habituar.

Tenho um namorado que vive no futuro. hoje, desceu a correr as escadas que dão para a escura cave de casa, e num só gesto repentino tirou o lençol que cobria a sua invenção, adormecida mas ansiosa por finalmente ter chegado o momento de ser usada. a máquina do tempo, ocupando a grande maioria da área da cave, tem uma pequeníssima entrada. abre-se uma portinhola com pouco mais de 50 cm e entrando, há que avançar de gatas para o seu interior, sem luz, à laia de toupeira. Foi o que ele fez, tremendo com a oficialidade do momento que, tendo repetido inúmeras vezes nos últimos anos, nunca antes lhe pareceu tão solene. todo ele tremia, ou seria a máquina que tremia e ele só tremia com ela? roncando como um estômago com fome, o grande monte de metal preparava-se para a sua primeira refeição, uma carne tenra de mais para as suas porcas e parafusos de aço. Ele continuou a avançar, a tremer, a máquina do tempo a roncar, e a tremer com ele. e chegado ao núcleo, finalmente pondo-se de pé, num espaço que ainda que tal o permitia, era claustrofóbico e escuro, apercebeu-se que devia ter projectado uma estrutura um pouco mais ergonómica, que aquilo assim não estava com nada. mas não tinha havido tempo para isso, era preciso por a coisa a funcionar o quanto antes. talvez para uma próxima vez. Mas assim que terminou esse pensamento, uma luz raiante irrompeu das paredes que o rodeiam à distância de um palmo lembrando-lhe de que o conforto não era propriamente a razão pela qual ali estava. Fechou os olhos e entregou-se ao momento, limpando a mente e aceitando o que estava para acontecer, algo que já não lhe pertencia nem estava no seu poder mudar. toda a engrenagem que começou com um pensamento e um desejo de atravessar a linha temporal e espacial que os separava era agora como um rio poderoso que não se pode travar e em que cada molécula de água, cada elemento que o torna no que é - um rio - não é mais do que um acontecimento-momento isolado no nosso fio-vida, insignificante por vezes, esquecido até, possívelmente, não deixa de produzir efeitos no resto do espectro de acontecimentos. Causas e consequências, de mão dada, formam uma corrente fortíssima que inevitavelmente nos leva de encontro ao que mais desejámos. E agora o desejo já nem é nosso, está entregue à corrente, pois o nosso papel é apenas o de sonhar e desejar com todas as moléculas - de água ou não - que nos compõem.

E eu mal posso esperar para que ele chegue e tenho de me despachar para o ir buscar ao aeroporto-máquina-do-tempo e o encher de beijinhos.

Que o dia comece!

11.11.10

quinto mês: décimo oitavo dia


de vez em quando lembro-me de que estou em nova iorque. é uma sensação estranha, uma mistura de sair do próprio corpo, de ver de longe (quiçá do alto das núvens) passado, presente e futuro todos num só, sem ordem nem prioridade. é aperceber-me, como que acordar, mas acordar para olhar em redor e ver que afinal o sonho é mesmo a sério.

há várias coisas que desencadeiam momentos assim:
- andar pelas ruas, especialmente se forem ruas por onde não costumo andar
- ouvir os músicos no metro (hoje um deles estendeu um microfone imaginário para eu completar o verso da música do michael jackson, ontem outro que cantava blues ao som de uma aparelhagem dedicou-me uma canção e fez-me corar até à raiz dos cabelos)
- ver coisas que só na américa é que se vêem como estes estranhíssimos snuggies, a apoteose do conforto. É que na américa tudo é eficaz, tudo é activo e proactivo, até o conforto. e eu às vezes acho graça mas vezes há (e não são poucas) que não tenho paciencia para a falta de noção e para o facto de esta gente não poder estar mais longe de uma qualquer raiz/origem de carácter natural, ou até animal, atrevo-me a sugerir. Porque para tudo existe uma solução específca, desde o utensílio do abacate que não serve para mais nada senão para cortar o dito cujo, à caixinha presa à trela que contém os sacos para apanhar o cocó dos mais-que-tudo cãezinhos que não ladram nem se queixam de estar ao colo o dia todo, de tão drogados que devem estar. 

Em nova iorque as mães fazem jogging a empurrar carrinhos de bebés.
Os carrinhos de bebés às vezes têm dois bebés de idades diferentes em dois andares, o que é horrível porque um deles tapa a vista ao outro, para além de que esse espaço nos carrinhos normais seria usado para por as malas! não, aqui tem de ser, não há espaço, e tudo cresce para cima à semelhança dos arranhacéus e dos copos do starbucks.

Nem sei bem o que quero dizer hoje. estou cansada e cheia de energia ao mesmo tempo. A cidade consome-me até ao tutano mas enche-me de uma matéria nova, maravilhosa, inacreditável. ainda por estudar, ainda por perceber.

isto vai dar frutos até dizer chega, quer dizer dar já está a dar, mas só quando me afastar é que me vou aperceber da dimensão da mudança que tudo isto representa. e vai-me dar um gozo enorme seguir para o próximo desafio.

itália?

31.10.10

quinto mês: sétimo dia

hoje não digo, mostro:

1. girafa e gonçalo sena
2. panda a ver um mapa
3. baldessari
4. girafa maria
5. zebra raquel
6. girafa e zebra desfocadas
7. michael e a-minha-primeira-abóbora e maria







30.10.10

quinto mês: quinto dia

a avó pediu-me para escrever posts mais curtos mas mais frequentes, porque assim podiam saber de mim, como eu estou e tal, como é a vida por aqui.

e eu fiquei a remoer uma coisa difícil de mastigar, como aquelas carnes assadas que faziam bola, ou nervos dignos de horas de batalha dentária. e finalmente percebi. fez-se o clique e percebi esta coisa do blog e o porquê de escrever cada vez menos.

é que na verdade eu não quero contar as coisas mundanas, ou fazer um retrato da cidade, das suas pessoas, hábitos, costumes, pequenas coisas do meu dia-a-dia, grandes eventos, como fazer 26 anos longe de casa pela primeira vez. até podia, e os assuntos nunca teriam fim. seria entusiasmante, enquanto reflexão, análise objectiva, mas mais que análise, exposição, do que estou a viver. mais light e consequentemente, menos extenuante, menos esgotante, quiça até por isso, mais frequente. quiça.
e porque não então?

é que até eu já estou farta destas análises sobre mim, sobre mim mim mim. análises em lisboa, análises em nova iorque! o tempo passa e as análises continuam, a procura incessante mantém-se, e rouba o tempo ao desfrutar, ao saborear, ao sentir sem pensar (e pesar!) tanto.

tendo escrito isto, dou por encerrada (pelo menos por hoje, sejamos francos, não é fácil mudar hábitos do dia para a noite) esta fase do post. e nas linhas que se sucedem vou tentar ser mais leve, clara e visual.

vamos ver como corre.

na esquina da rua onde eu trabalho há um homem que toca guitarra eléctrica e canta músicas rock & roll. quando passo sorrio-lhe e ele devolve-me o sorriso. na verdade ele continua como se nada fosse, e eu também, mas gosto de imaginar que dizemos olá um ao outro num simpático gesto de reverência mútua, não manifestada, antes de continuarmos com os nossos dias.

o metro parece um anúncio da benetton, e com o tempo habituamo-nos tanto às ratazanas a saltitar nas poças dos túneis, como às raparigas que se maquilham na carruagem (acho que já escrevi sobre isto antes, e eu própria já o fiz). podia escrever um livro inteiro só com situações passadas no metro. e teria um capítulo só dedicado aos músicos, isso de certeza. Acho mesmo que podia até viver no metro e nunca me aborrecer. é um lugar maravilhoso e imundo.

já à superfície, no outro dia, um esquilo correu para me tentar roubar um bocado do meu wrap. logo a seguir fugiu. acho que só se estava a fazer de interessante, porque é adoravel e tal. eu ia desmaiando de felicidade.

será que isto é relevante? como é que eu condenso, as coisas que tão facilmente deixaria escapar e descer pelo cano da memória selectiva, como é que uso este espaço para as reviver vezes e vezes sem conta? e quais são as que quero guardar?

ah, já sei uma. está visto que o importante é fazer as perguntas certas.

agora que o verão acabou, se tiver de escolher uma imagem que simbolize o verão em nova iorque (ou neste caso, em brooklyn), será a de uma boca de incêndio com água a saír num repuxo gigante que eu e os meus amigos atravassamos nas nossas bicicletas. e não consigo parar de sorrir ao pensar nisso.


o outono começou e foi uma agradavel surpresa ver como é uma estação com características tão marcadas por aqui. ou pelo menos para mim que de repente vejo tudo com olhos esbugalhados. nunca tinha visto tanta abóbora junta, confesso. chega a ser hilariante porque de um dia para o outro as ditas são usadas para tudo, desde decoração (as mais pequenas até servem e centro de mesa nos restaurantes) como de repente há café de sementes de abóbora, sumos, batidos de abóbora, cupcakes de abóbora, sacos das compras com desenhos de abóboras, TUDO de abóbora. o que me lembra que amanha tenho de comprar uma para o meu primeiro halloween, outro grande evento da estação que provocou um florescimento exponencial de lojas de máscaras. já tenho a minha, e mal posso esperar para a usar. não é lá muito assustadora, mas não faz mal.

os anos correram bem, surpreendentemente, o que acho que acontece quando não se espera grande coisa. recebi presentes, recebi bolos (plural!) recebi sorrisos e foi bom e quase não foi stressante. quando se estava a tornar stressante decidi que não ia ser. e, por isso, não foi. e comemos as pizzas maravilhosas, e cantámos os parabéns, e fomos para o terraço jogar matraquilhos e eu joguei mal como o raio mas marquei o último golo da noite, directamente de uma baliza para a outra. e isso chegou-me, soube-me tanto a tanto que me iam saindo os dois bolos pelas goelas, de tanto que me soube esse dia.

soube mesmo bem.


e, se calhar, esta coisa de: ah, estou a aprender muito, não tem de ser tanto assim. ok aprende-se mas não é preciso fazer disso objecto de estudo partidinho aos bocadinhos, enfiado em frascos com etiquetas. aprender é consequência inevitável do desenrolar da vida (especialmente dos falhanços que, por aqui, também os há embora não me apeteça trazer para aqui), sim. mas o que é bom mesmo, e o que também é preciso aprender, é a respirar, virar os olhos às vezes para dentro, e às vezes também para fora, nem que seja para reparar que o tipo que acaba de passar por mim sorriu para si mesmo, (provavelmente sem sequer notar), por breves instantes apenas, antes de desaparecer rua fora. tive a sorte de assistir, de realmente ver isso acontecer, e sem saber como, o sorriso seguiu-me, colou-se a mim, por um breve instante apenas, antes de desaparecer rua fora.

26.9.10

quarto mês: primeiro dia


 Começo a sentir falta de certas coisas. coisas que antes eram pequenas e dadas por garantidas. uma ida ao bairro, uma tarde na esplanada a comer caracóis, um abraço de mãe, de irmã.

Dou por mim a sentir falta de coisas, demasiadas coisas, o que me diz que em breve estarei pronta para deixar a cidade da qual nunca me pensei fartar. E se calhar nem é essa a melhor palavra para descrever o que começo a sentir crescer. Não é mesmo. Porque ainda tenho muitas coisas para ver, muitas para desfrutar e viver. Como o outono que agora começa, e o Inverno que lhe seguirá e com ele a neve que me trará longínquas memórias de milão, dos telhados brancos e da régua de 15 cm que o meu pai usava todas as manhãs para tirar a neve do vidro do carro antes de me levar para a escola.

Mas com o outono começam também a cair algumas folhas desta nogueira na maçã. Começo a pensar no tempo que falta, e no que vou fazer a seguir. Para onde ir, para onde partir e para onde chegar? Tantas perguntas que pela primeira vez, ainda que meio tremeliquentes, me permito perguntar, porque até agora senti, fui sentindo, que não seguia os meus próprios desejos. porque sentia que ia fazendo o que era suposto, esperado, porque tinha de ser, mas nunca parei mesmo para pensar no que eu queria, eu maria, queria. até que cheguei aqui... e tudo mudou.

É tão assustador como libertador estar de repente numa cidade nova e pensar que ninguém sabe onde estamos ou o que estamos a fazer.

De repente deixa de fazer sentido seguir outra que não a nossa vontade. Quando as pessoas, lugares à nossa volta são novos, tudo é novo, temos de confiar em nós e agir segundo o que nós queremos. E por isso de repente dou por mim a descobrir o que isso mesmo quer dizer. E as coisas que as nossas mães nos ensinaram surgem espontaneamente por cima do ombro, mas já não temos obrigatóriamente que lhes dar ouvidos. Porque não faz mal se não dermos, e passamos a dar-lhes outra apreciação, porque no fim de contas é mesmo bom que elas surjam, porque é bom ter tido quem nos ensinasse a ser e estar e se preocupasse conosco.

E escolher uns óculos que vou provavelmente usar nos próximos anos não é já tão assustador como antes, quando me obrigava a considerar penosamente todas as alternativas e consequentes apreciações por parte de outrem. não é nada difícil, e é uma feliz surpresa descobrir que afinal de contas sempre existiu uma única opção certa, que é a que nos põe um brilhozinho nos olhos.

19.9.10

terceiro mês: vigésimo terceiro dia



A vida engoliu-me.
Nova Iorque engoliu-me.

Digerida neste processo, partida em bocadinhos, até me tornar toda eu uma papa sem forma, sem lugar. A cada dia, mais desfeita, moida, até não ser mais do que partículas, essências de mim, e ser por fim absorvida pela vida, pelo tempo, pela cidade que me destruiu, passando a fazer parte dela, a ser, também eu, ela.

E, não obstante o processo de eliminação, conservo e nutro cada vez mais aquilo que me separa e distingue de nova iorque, algo tão simples mas que nunca pensei ter, até me confrontar com uma forma de vida diferente, um país e cultura diferentes. identidade do meu país, identidade portuguesa, uma coisa que não valorizamos lá muito até que estamos longe e damos por nós a ouvir sérgio godinho com novos ouvidos e a sorrir com cada palavra tão bem pronunciada na língua que já não ouvimos nas bocas, nas ruas, nas pedras da calçada que ficaram, também elas, do lado de lá do atântico.

Estou bem.
Mas estou também muito metida no meio desta grande engrenagem, onde o tempo passa a correr, a correr, a correr, e eu não sei se quero correr assim tão depressa como eles. correr para onde? Queria correr e corri até aqui, mas agora penso que se calhar quero mais é andar a um rítmo meu, se calhar saltitar, comer gelados, saltar e dançar de mãos entrelaçadas nas dele.

Tenho saudades de casa.
Tenho saudades da minha casa. mas que casa, se ainda a estou a construir?

Ando para a frente, corro até, imito os outros, mas por dentro sei que, ok, agora corro, aprendo, trabalho, faço sopa pela primeira vez e tomo conta de mim. Já era tempo de ver que a vida não mete medo nenhum. Sair da minha gaiola de algodão e ver que sim até posso cair e esfolar o joelho porque estava ao telemóvel na bicicleta a falar com ele-em-berlim-na-bicicleta-dele mas estou bem e fartei-me de rir porque é o tipo de coisas que me acontecem, ver a lomba e achar que consigo; cair em câmara lenta, apanhar o telemóvel e continuar a falar. Rir e rir e ir para o trabalho com o joelho raspado como se tivesse 6 anos e tivesse estado a saltar ao elástico no colégio. Feliz da vida.

Perdi o fio à meada.

Tenho é muitas saudades de casa porque ás vezes apetecia-me carregar num botão de pausa e ir só ali dar uns abracinhos e voltar.

Não sinto que isto seja a vida a sério, a vida à séria. Uma experiência, mas não sei porque é que não a vejo como parte da vida. se calhar porque é a primeira vez que vivo assim, longe de casa e por isso parecem mais umas férias grandes, mesmo mesmo grandes. Mas ao mesmo tempo, invade-me uma vontade de continuar a descobrir outras novas pseudo-casas, novas marias-noutro-lado-qualquer, novas experiências que por agora não são vida mas que um dia serão. porque já são, mas eu é que não vejo.

Porque às vezes parece um sonho, olhar pela janela do estúdio e ver o empire state building, andar na rua e ver pessoas e coisas saidas de filmes. Ouvir e falar numa língua de filme, de livro até, mas que não é uma língua de casa. Faz-me estar fora de mim, longe de mim, como se eu fosse um autocolante que não sabe mais onde está a parte de trás. Sinto-me assim, des-autocolada de mim às vezes - O que não faz mal. mas é estranho e interessante.

Se calhar por isso não escrevi durante um mês. Estive muito longe de mim, mais do que alguma vez estive, e só agora regresso, só agora olho para mim, respiro fundo, e vejo as transformações. o cabelo que ultrapassou os ombros, as bochechocas novas resultado dos cookies, das pizzas, dos chai lattes, dos noodles e da comida de merda que aspirei sem travão (porque nunca tive nenhum, nunca precisei), a ferrugem nas articulações a estalar na primeira aula de yoga depois de anos.

Yoga.
Yoga é casa, e não quero com isto soar como uma freak das taças tibetanas. Yoga é casa para mim porque durante anos representou uma rotina boa, uma colecção de momentos bons, uma sensação de estabilidade, de segurança, de sabedoria e amor que vem de dentro e que está desligado de qualquer ideia de tempo e espaço, simplesmente é o que é. Como ir ao cinema e esquecer-me que não estou em Portugal, só que com a diferença de que no cinema esqueço-me também de mim.
O yoga traz-me de novo a mim, e isso trouxe-me aqui ao blog, extensão de mim, que é também um fio de muitas pontas, por onde envio beijinhos imaginários que como diz o joão gilberto, são mais do que os peixinhos que há no mar. e eu fico maravilhada com as palavras dele e maravilhada também com a impermanência e relatividade das coisas - Aquilo que outrora não me despertou a atenção, toma agora um novo sentido, uma nova dimensão e forma.

Às vezes lembro-me das roupas que deixei em Lisboa. na altura de fazer as malas quis deixar tudo para trás, esvaziar-me de lisboa para me encher de Nova Iorque. mas dou por mim agora e tenho saudades de algumas coisas. mas não me importo, e digo para mim que quando voltar me vai saber bem, vai ser giro ver com novos olhos os bocadinhos da maria-antes-de-nova-iorque e, no contraste, na diferença, ver o reflexo de quem me tornei.

19.8.10

segundo mês: vigésimo quarto dia

este post vai para este outro.
porque nunca é demais enaltecer as maravilhosas qualidades dos que, como eu, escrevem com a mão esquerda.

ah pois!

canhotos,
esquerdinos,
como é que consegues escrever assim?
ah!
ha ha!

sabes que os canhotos são mais inteligentes que os destros?
ouvi dizer que os canhotos vivem menos oito anos que os destros.

ai sim?

sim, porque como são mais inteligentes, esgotam os cartuchos mais depressa.
isto suponho eu, porque dentro de tamanha parvoice, tudo é possível e aparvalho também eu.

mas que me sinto especial, lá isso sinto.

-
e agora revelo a verdadeira razão deste post, bem mais original e até perturbante do que possa ter parecido até agora. (embora nunca seja demais enaltecer as maravilhosas qualidades dos canhotos, não sei se já referi).

ora bem, o que se passa é que ao chegar a nova iorque, e à sagmeiste inc. , resolvi substituir o rato que uso na mão direita desde que me lembro de estar sentada à frente de um computador a desenhar no paint, por uma tablet, que para quem não sabe é uma caneta que substitui o rato.

demorei umas duas semanas a habituar-me. passar a controlar o cursor com a mão esquerda não foi assim tão simples. que eu sou canhota de corpo todo, de alma toda (e cérebro, suponho) mas foram muitos anos! e se sabe bem e faz sentido usar a mão esquerda para clicar, arrastar, desenhar no photoshop, o mesmo não posso dizer da mão direita que, assim de um momento para o outro deixou de ter o privilégio de comandar o rato e passou a estar encarregue do teclado. escrever escrevo com as duas, mas se estou no illustrator, todos os comandos, combinações complexas de duas ou mais teclas, são agora responsabilidade da mão número dois. desculpa aí pá, não leves a mal, mas a esquerda... é a esquerda!

lá me habituei.
tirei o rato da secretária e selei assim o momento.

uma noite, quis trabalhar em casa num ficheiro no qual tinha estado a trabalhar no estúdio. tenho um macbook, e para o uso que lhe dou, o rato é quase desnecessário, servindo o trackpad. mas para trabalhar no illustrator, lá tive de ir buscar o rato à gaveta.

foi então que aconteceu.
o meu cérebro entrou em parafuso, confuso, entalado, enrolado, emaranhado, assolapado, surpreendido, bloquea-a-a-a-a-a-a-a-a-ado.
porque de repente não sabia que mão usar.
caneta na mão esquerda faz algum sentido porque tem uma forma e manuseabilidade ao qual estou habituada (ainda mais agora que passo o tempo todo a desenhar)
mas rato na mão esquerda?? onde é que isso faz sentido na minha cabeça?
aonde?

desconfortável.
comichão mental.
como não ter posição à noite para dormir (mal de que felizmente nunca padeci, eu que durmo que nem uma pedra em qualquer cantinho, e até sonho no metro).
viras-te para um lado, viras-te para o outro, levantas-te, vais fazer chichi, voltas, o mesmo. vais beber água, voltas, o mesmo. que horror.
alternei de uma mão para a outra, experimentei o trackpad, mas era difícil para fazer selecções e ao mesmo tempo executar shortcuts complicadas, uma espécie de origami com os dedos, todos encavalitados.

ou melhor, um jogo do twist, aquele que é assim meio pornográfico quando se pensa bem nisso. ainda que nos filmes apareça sempre como algo super inocente, como se até eles se espalharem um em cima do outro não tivessem pensado nisso. bah, odeio filmes de balde de gelado (ai ai o que me apetecia um santini agora)

pois bem, solução? comprar uma tablet para usar em casa, dizer adeus aos ratos.
e é engraçado que tenha acontecido aqui, porque nova iorque está impestada deles. todas as noites são famílias inteiras de ratazanas a passear pela rua de mão dada, sem qualquer consideração pelas pessoas que estão a seguir o seu caminho descansadas da vida. uma vergonha.

nada mais tenho a acrescentar por hoje.

e sim, voltei ao meu ritmo de antes, a sair do trabalho antes das 9 da noite! yupiiii!

18.8.10

segundo mês: vigésimo terceiro dia (dois)


muito trabalho. muito trabalho novo, diferente, assustador na sua dimensão. números grandes que não me dizem nada condicionam o acto de criar. mudas uma linha, e são mais 500$ para o fotógrafo, 500 para o retocador, 500 para o tipo cuja profissão é fazer tudo isto acontecer e ligar as pessoas envolvidas, uma espécie de facebook humano da publicidade.

é que eu não gosto de publicidade por isto mesmo. pelo tamanho que obriga a uma divisão e racionalização do processo, assim à laia de fábrica. como é que alguém consegue ter prazer em executar apenas uma pequena paqueníssima tarefa dentro do todo? eu cá não tenho, isso garanto eu.

o bom do estúdio onde trabalho é que somos só 6. a fazer projectos de grande escala, com grandes números, com uma abrangência inacreditavel. um luxo.

as últimas semanas têm sido uma canseira, fisicamente em especial, porque agora que estou a morar com 3 pessoas e agora que estou num prédio onde todas as noites alguma coisa se passa, festas, matraquilhos no terraço, barbeque, jantares animados, divido o meu tempo entre trabalho e casa, e as duas parcelas lutam pelo tempo, lutam pelo meu tempo e roubam o tempo ao sono.


a minha casa tem duas caras. e enquanto escrevo isto, entram em casa o michael e o graham, de bicicletas em punho, mochilas cheias de legumes que trouxeram do trader joe's dumpster diving, que é quando o supermercado deita fora quilos e quilos de comida boa ao fim do dia.

às vezes a minha casa tem muita gente.

segundo mês: vigésimo terceiro dia (um)




cheguei,
estou, 
sou isto, sou aqui.
casa,
casa,
casa!

sinto-me mesmo em casa.
adoro a minha casa, casa vida que todos os dias fica mais bonita. compro lápis de cor, um girassol, cozinho para todos com efervescência num wok que parecia estar à minha espera. como eu adoro cozinhar numa casa que tem tudo o que preciso. uma cozinha quente, onde já fiz biscoitos, crepes, tortilhas amassadas à mão, onde dancei e onde tomei o pequeno almoço, onde cantei e assobiei porque estou mesmo bem e até me distraio. nesta casa, dois dias depois de chegar, adormeci de porta aberta, atirada para cima da cama, com o meu caderno de desenhos por cima da barriga, a música alta, o roommate a lavar o chão qual fada do lar. adormeci e dormi como não dormia há muito tempo, numa segurança que vem de dentro.

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uma das coisas que eu mais gosto nesta casa, é a paleta de cores. é uma casa que mesmo vazia é quente e acolhedora, viva! o meu quarto tem paredes pintadas por antigos ocupantes, uma amarela e duas azuis. o chão preto, industrial. a quarta parede forrada a janelas por onde a luz jorra de manhã.

plantas. todas têm nomes, embora ainda não tenha decorado todos. sei que uma delas se chama bambi, outra vera (aloe vera, essa é fácil). acrescentei à família duas sementes de abacate que estou a germinar. não tinha plantas desde a primária, acho eu, e está a ser uma excitação. ainda não têm nomes, mas todos os dias lá vou eu ver se a raiz já está a despontar, e falo com elas, encorajo-as.

a minha casa tem muitos livros, que por acaso estão debaixo das muitas plantas. grande parte deles pertenceram outrora a antigos ocupantes que por alguma razão não os puderam levar com eles. os meus já lá estão. poucos, porque continuo a ler livros da biblioteca. embora agora não tenha tido tempo nenhum para ler.

aqui estão bocadinhos da minha casa.

projecções para ver filmes na sala
colunas espalhadas pela casa para ouvir música ou ver filmes
sofás grandes para quem queira cá dormir
a peruca que encontrei no primeiro dia no corredor, adoptada e posta no manequim por cima do frigorífico.
pessoas a entrar e a saír, infinitas combinações de toalhas, o meu bocadinho preferido da minha casa. (a minha é amarela banana)