23.7.10

primeiro mês: vigésimo sétimo

porque é que não vais para casa? és estagiária! não devias ficar até tão tarde...
bem, porque não?
ah, já percebi, eu sei o que se passa. ficas até tarde aqui porque não queres ir para casa.

na mouche.
se calhar só em parte. se calhar só hoje que estou mais chocha me parece que sim, ele tem razão e que não, não me apetece voltar para casa depois do trabalho. de repente toda uma teia de desculpas esfarrapadas se parece revelar. mas também pode ser só do cansaço, nunca saberei, mas também não interessa.




interessa pois perceber que sim, se calhar às vezes gostava de ter realmente um lugar para onde voltar. porque já conheço muitos dos caminhos, porque já não são novos, e no entanto não tenho uma casa-casa onde possa sentir que cheguei.

nova iorque pode ser muito feliz, mas também pode ser muito triste. nova iorque é muito alguma coisa, é muito de tudo. as unhas e o cabelo crescem mais depressa, o tempo voa, a o café tem mais açúcar, os pratos mais e mais e mais e mais comida que tem mais e mais sal e temperos e jalapeños picantes. A cidade é um estalo na cara e um abraço apertado. Os sem-abrigo apresentam-se, olham-te nos olhos e dizem como se chamam e o que querem. amen. ao lado da caixa registadora, umas garrafinhas - shot de energia (5 horas) e shot para dormir (a noite toda). atrás da registadora, uma senhora recusa-se a vender-me lentes de contacto sem receita médica - são consideradas uma droga nos estados unidos. nova iorque é imprevisível, mas até mesmo o estranho, o absurdo e o inconcebível têm lugar e fluem numa dança sem fim. ao som de buzinas e vozes.

às vezes nova iorque é demais para a minha cabeça! é estímulante como um café, com a diferença de que nunca acaba. porque quando o homem tatuado da cabeça aos pés de calções cor de rosa bebé dobra a esquina, uma tempestade tropical arremessa-nos, atira-nos no ar e deixa-nos de cabeça para baixo, para parar cinco minutos depois como se nunca tivesse acontecido. zumm eis que um 'messenger' passa por nós na sua bicicleta-extensão-do-corpo, uma seta que nos prende a atenção enquanto finta o trânsito furioso da broadway. já vai lá ao fundo e consigo ver que vai agarrado ao espelho de um carro... pumba, foi atropelado.

os nova-iorquinos não são frios, simplesmente nada os surpreende. são bombardeados por estímulos e muito honestamente não sei se não viverão mesmo constantemente estimulados. porque se não é o café é o iphone, o anúncio gigante na times square, o taxista aos berros, o trabalho trabalho trabalho! dormem pouco e desconfio que não dormem bem sem um copázio de um poderoso cocktail. não sabem cozinhar e mandam vir todos os dias jantar que encomendam online. enquanto esperam bebem mais um iced chai skimmed latte e trabalham mais um bocado.

ontem era para ir a uma festa, mas dei por mim e estava em plena times square, pela primeira vez de noite. qual traça atraída pelas luzes deixei-me embeber por completo e misturar com as hordes de turistas que disparavam em resposta flashes a tudo o quanto se mexia, o que estranhamente incluia um mero polícia a cavalo. as lojas estão abertas até às tantas da manhã, por isso é difícil perceber que horas são. resolvi entrar em todas, assumir o papel de investigadora, turista até, se preferirem. voltei para brooklyn às duas da manhã. numa mão um saco da forever 21 com: uma bandelete e uma camisola te malha azul. na outra, um saco de papel com duas tartes de maçã do mcdonalds (maqui-dee como lhe chama o meu colega de casa) que como venho a constatar têm mais dois quilos de açúcar que as de portugal.

sinto as minhas ideias a dispersar em múltiplas direcções. estou a precisar tanto do fim-de-semana para recarregar baterias! quase a caminho dos dois meses, e uma fase nova começa-se a revelar. a máquina fotográfica é esquecida em casa mais frequentemente, juntamente com o lenço do pescoço que sugere que já me habituei ao ar corndicionado antártico do metro. o quarto está um caos, no frigorífico uma alface inteira a estragar-se porque janto quase sempre antes de chegar a casa. não quero preocupar ninguém, apenas tirar o filtro do optimismo e fascínio que por vezes caracteriza o tom dos meus posts. o fascínio é real, mas por vezes distancia-me de mim mesma, das camadas mais profundas da cebola. e por isso também eu me distancio deste quadradinho de luz digital onde não consigo mentir.

este fim de semana vou fazer como fazia em lisboa. vou ficar de papo para o ar a aproveitar que não tenho nada para fazer. vou ler, ver filmes, limpar a casa, o frigorífico e a alma.

3 comentários:

jg disse...

Está tudo bem...
*

Artur disse...

Vais perceber que momentos desses são os que tornam NY uma experiência ainda mais profunda e que NY é um teste também à pessoa, um teste que acho que já passaste pois estás a transformar em excelente prosa a tua experiência -- a positiva e a negativa.

Anónimo disse...

lol same thing here.

Luhuna