26.7.10

dois meses: primeiro dia

o fim-de-semana: cheio cheio. sábado almoço no tailandês, tarde no parque com os amigos, bicicleta, sesta no sofá da casa que daqui a uma semana será também minha, jantar no mexicano, mas a horchata acabou, e se calhar um burrito vegetariano chega para os dois. bicicleta bicicleta pelas ruas de brooklyn, o o fogo picante do jantar subitamente apagado pela chuva que jorra da boca de incêndio, esse delírio dos ciclistas encalorados. festa! chegamos a um terraço onde toda a gente conhece alguém, mas onde a maioria não se conhece. baldes de gelo e cerveja, faz falta música para abanar o corpo e a cabeça, para soltar os restos da semana, os restos das preocupações do meio da testa naquele ponto preciso onde uma fina agulha de acupuntura se sente mais que todas as outras.



de volta ao interior da casa, desistentes do terraço-muita-conversa-pouca-acção, demos uma volta pelas divisões sem nada saber sobre quem nelas vivia. na sala a minha atenção pousou numa fotografia pequenina de um casal de namorados na praia - sorridentes. não sei quem são, nunca os vi nem voltarei a ver. da dona da casa só vi as costas e o vestido às flores. e ainda assim, ficou-me o essencial do momento, um tal instante de felicidade sentido não sei por quem nem onde nem quando, e que ao fim ao cabo é a única coisa que interessa. (também me passou pela cabeça que o sorriso podia ser falso e o momento uma encenação, mas a primeira hipótese é muito mais bonita).

domingo chegou e acordei com um calor inacreditavel só ultrapassado pela barulheira da ventoínha. ahh, como vou gostar de morar aqui! sinto-me em casa e no entanto foi no sofá da casa ao lado, a dos meus amigos e futuros vizinhos que dormi para não ter de ir de bicicleta até tão longe. na pior das condições, dormi melhor que nunca e acordei feliz da vida, cheia de vida eu mesma. às 9 despedi-me e fui estrada fora a dar ao pedal até ao parque, onde tinha uma aula de ioga à minha espera. claro está que não a encontrei, uma vez que a única indicação que vinha na net era: debaixo das grandes árvores. perguntei a umas quantas pessoas que encontrei no seu jogging matinal mas nenhuma me soube ajudar. paciência! a maior conquista já foi chegar ao parque às 10 da manhã depois de uma noite de festarola, a maior conquista é estar aqui pronta para fazer ioga, com ou sem professor.

e assim foi, debaixo de uma grande árvore só para mim, debaixo da sua sombra (só para mim) fiz saudações ao sol, posições de equilíbrio (fazer a postura da árvore no parque com o vento a abanar-nos as folhas das mãos é mais poderoso do que alguma vez imaginei) torções, e invertidas no fim. depois de meses sem fazer nada (excepto algumas saudações ao sol no quarto) nunca pensei conseguir fazer um pino de cabeça e aguentar tempo suficiente para me dar ganas de voltar a tentar no próximo domingo. no final, tentei meditar mas acabei por fazer uma bela sesta matinal, daquelas que se faz depois do pequeno almoço quando a ronha é muita, a bela sesta de domingo!

finalmente em casa, sentei-me no terraço a ler mais um bocado do meu segundo livro em nova iorque, e li-o em voz alta, para mim e para an núvens que momentos depois cumpriram as suas negras promessas e me obrigaram a voltar para dentro de casa. quando penso que se calhar é uma boa altura para me sentar a desenhar, eis que surge um convite: uma ida ao ikea de bicicleta com a amiga de lisboa que também vai mudar de casa em agosto. e a chuva? pergunto eu. a chuva é fraquinha! e passa!

bora lá!

bergen st. e viramos à esquerda na 9th street. paramos para ver o meu mapa das bicicletas, ou míseros restos dele, duas fracções de papel desfeitas pelo tempo, que nos fazem rir a bandeiras despregadas. lá encontro o círculo a caneta que indica o ikea, à beira-mar plantado, do lado de brooklyn mas com ligação a manhattan por ferry gratuito. e lá vamos nós. da 9 mudamos para a 3 e ai que a chuva engrossa, e eu não tenho pára-brisas nos óculos. mas vamos devagarinho e sempre pelas bike-lanes uqe, felizmente os carros respeitam.

o ikea faz parte da minha infância. aos 6 anos mudámo-nos para milão onde vivemos 3 e durante esse tempo recheámos a nossa casa com móveis que nos anos 90 deviam parecer caídos do céu - baratos, design inovador, fáceis de montar, e inexistentes em portugal. trouxemo-los conosco e durante anos senti que tinha das casas mais giras que conhecia, e o meu quarto suscitava sons de exclamação entre as minhas amigas ao verem a minha cama 'no tecto' , um daqueles beliches altos sem cama em baixo, um estrado de casal com escadas onde podiam facilmente caber 3 piolhas de 10 anos, 4 almofadas, barbies e peluches. mais tarde entrei na fase em que ser fixe era ser normal, era ser como os outros, e quis descer das alturas, ter uma cama onde pudesse atirar a minha mochila e a minha depressão adolescente ao chegar das aulas. ainda para mais já não cabia debaixo da cama.
lembro-me então de ter 6 anos e ir ao ikea com os meus pais. fartava-me quase sempre passado um bocado, mas de certa forma aquilo devia significar um qualquer elo familiar, um momento de união (mesmo com discussões sobre a melhor cor da madeira ou a forma mais lógica de arrumar as caixas no carro, que a minha mãe sempre 'ganhava' no fim). lembr-me também de algumas vezes ficar a brincar no sítio das crianças, na piscina de bolinhas, ou a ver um filme da disney. eis senão quando, entro pela primeira vez num ikea-igual-a-todos-os-outros, e olho para os miúdos que estão sentadinhos a ver o Pinocchio numas escadinhas encarnadas, alheios a tudo o que há de mal no mundo, alheios até ao próprio ikea que lhes tornou possível esse momento. passo por eles e entro para o elevador. quando volto a descer trago comigo uma almofada, lençóis, uma manta, uma coisa para pendurar a roupa, um tupperware e uma nova casa - aquela que é uma ideia na nossa cabeça do sítio onde queremos viver.

dois meses: fui à manicure e comi um ben & jerry's quase inteiro e quero lá saber se fico gorda! a caminho desta casa que olho já com olhos de despedida, daqueles que se põem a pensar nos bons tempos que ao fim ao cabo aqui vivi, e no quanto vou sentir falta deste meu bairro maravilhoso, a caminho de casa, vim mais uma vez de olhos atentos aos presentes dos vizinhos, junto aos canteiros, junto às entradas das suas casas de tijolo vermelho. desde o episódio do cestinho que tento não me deixar entusiasmar pelo que encontro sem pensar bem nos motivos que poderão ter levado as pessoasa desfazerem-se dos seus objectos. a menos que deixem uma pista! e eis que, de todas as coisas que encontrei no passeio, uma impecavel mala de viagem samsonite, com um papelinho a dizer: free suitcase, small tear on the side, foi esta a única que decidi que não traria comigo. ainda a arrastei uns metros até que, provavelmente contagiada pelo acto libertador de quem oferece assim às ruas algo que está como novo, também eu me libertei dessa mala, dessa vontade de querer algo só porque posso, e a deixei para quem precisasse mais do que eu.

é que eu sou um bocado forreta e não tenho muita tralha ainda... mas quando mudar de casa para a semana vou comprar uma planta e dar-lhe um nome! e se for um basílico até a como e poupo nos temperos!

3 comentários:

jg disse...

:)
chegou hoje a carta dos bróculos e tive de explicar aos miúdos as várias possibilidades de choros, mesmpo este de comovida.

Unknown disse...

bolas, demorou tanto tempo!
estou quase a abraçar a era digital por completo e a comprar um iphone! naooooooo lá se vão as minhas ideologias? mas ter o skype em qualquer lugar era muito bom não achas?

adoro-te mãe!

ana sofia santos disse...

há muito tempo que não comentava
mas sempre a ler :)
e a adorar