24.6.10

vigésimo sétimo, vigésimo oitavo


no vigésimo sétimo dia em nova iorque comprei um cadeado e luzes para a bicicleta. o mapa com as ciclovias já cuidadosamente estudado desde há uma semana e tal. é um cadeado kryptonite que espero que não me deixe ficar mal. bicicleta é da casa, e como tal, até nem é um mau negócio, até porque o cadeado e as luzes são facilmente transportáveis na viagem de volta (sim, porque por aquele preço têm mais é que durar uma vida inteira!)

no vigésimo oitavo dia acordei às 7 da manhã e às 8.45 estava de capacete na cabeça a sair de casa mais veloz que o costume. a zarpar pelas ruas de brooklyn, embora cuidadosa e atenta aos carros e outros ciclistas. por dentro, toda eu um sorriso de braço a braço.
acho que nasci para viver numa cidade em que posso andar de bicicleta para o trabalho. o vento no cabelo, os prédios e as pessoas a correrem para trás, substituidos por outros, os mil olhos nos carros, que são crocodilos no rio das estradas, furiosos e imprevisíveis. vuuuuuuuuuuuum e lá vou eu assim que o sinal fica verde. a bedford e a fulton e a smith e logo a seguir já estou na ponte de manhattan porque passei a entrada para a de brooklyn. vuuuuuuuummmmmm se bem que a primeira parte é um bocado puxada. dou às pernas porque tem de ser, estou no meio da ponte e para a frente é que é o caminho! uns metros adiante os outros ciclistas parecem desaparecer no horizonte e apercebo-me do presente que me espera - uma descida até manhattan em que não pedalo, não faço nada a não ser controlar a velocidade para não voar ponte fora, a não ser sentir o vento e a manhã a fazer-me festas na cara. chego ao fim da ponte, estou em manhattan, no meio do caos. sigo em cardume pelas ruas, mal precisando de olhar em redor para perceber onde ir. a sinalização não podia ser mais simples: west. e lá vou eu. depois é só virar e ir para norte até à 23. entretanto passei pelos cheiros de chinatown, pelos parques, ruas avenidas e vi mil coisas que me ficaram gravadas numa pen mental, mesmo sem me aperceber. vuuuuuuuuuummmmmm e já cheguei, com energia para dar e vender. 

no final do dia, mal podia esperar por voltar a pegar na bici e percorrer a cidade rumo a brooklyn. quantas combinações de caminhos diferentes por descobrir! decido descer pela ciclovia que segue ao longo do rio hudson, do lado oeste e que vai mesmo até ao sul da ilha. é perfeito porque é isolado dos carros e tem uma grande zona verde, para não falar do rio e da vista maravilhosa. a ciclovia está cheia de pessoas que voltam do trabalho, algumas verdadeiros businessmen de fato e gravata que esvoaça por cima do ombro. mas não só: skaters, joggers...
 

já tinha sentido uns pingos de chuva ao sair do trabalho, mas nada de grave. até refresca pensei eu. mas ao começar a descer em direcção ao sul, a chuva foi-se intensificando mais e mais. passou de torrencial a dilúvio e de dilúvio de porporções bíblicas a monção. fiquei não só com a roupa completamente ensopada como todo o conteúdo da minha mala, empapado e a escorrer água. ri-me com o caricato da situação, todas aquelas pessoas apanhadas de surpresa pela chuva, todos nós vítimas de uma graçola qualquer que a cidade nos prega só porque pode, só porque seja o que for o faz em grande. na verdade o que senti foi um misto de histerismo com medo de cair e espetar-me numa poça qualquer, de escorregar. mas agarrei-me com toda a força ao guiador e fui devagar por entre as cortinas de água. isto é um teste, pensei eu. ninguém desistiu de ir de bicicleta para casa e eu nao vou desistir também. mais à frente parei num sinal vermelho e perguntei à rapariga que ia à minha frente se por acaso ia em direcção à ponte. disse que sim e segui-a, livrando-me da preocupação de tentar ver as placas que a esta altura não eram mais do que borrões. as luzes deram um jeitão, piscando à frente e atrás, e acho que até os carros tiveram pena de nós corajosos e se encarregaram de nos facilitar a vida. lá segui atrás da minha guia, vuuum e a chuva ainda piora, mais forte agora que o duche da minha casa. paramos noutro sinal e eu confesso-lhe lá de trás que é o primeiro dia em que fui de bicicleta para o trabalho.  rimo-nos! diz-me por sua vez que é o primeiro dia dela a andar à chuva. rimo-nos ainda mais! vou morrer afogada! grito. do conforto de uma esplanada protegida por um toldo, um senhor assiste à conversa enquanto janta e exclama: a sorte é que quando chegares a casa vai parar de chover! rimos todos e o sinal fica verde, encerrando mais um dos episódios caricatos que por aqui são ao preço da chuva.


e sim, assim que entrei na minha rua, ela parou. ri-me a bom rir, ensopada e feliz.

6 comentários:

Unknown disse...

acham que esta coisa do 'ler mais' vale a pena?

inês disse...

acho que sim. fica mais fácil, quando se quer ver os comentários, encontrar o fim dos posts. estou farta de me rir contigo, mariecas :)

Unknown disse...

:D

Raquel Rosa disse...

vao duas! Farto-me de rir e de ficar c sorrisos tolos na cara...e sinto-me uma preguiçosa de primeira todos os dias! que energia Maria! hehe

Teresa disse...

tinha uma imagem tão diferente disso aí! na minha cabeça NY era só confusão sem espaço pra estas coisas :)
love it!

Unknown disse...

pois na minha cabeça também era bastante diferente... por isso ainda me surpreendo, o que até é bom! pensava que os americanos eram burros e gordos. mas nada sabia dos novaiorquinos.

raquel, obrigada!! mas olha, claro que isto que estou a viver é atípico... há um mês estava a arrastar-me de casa para o trabalho, do trabalho para casa! por isso nada de achares que és preguiçosa!! ai! beijinhos grandes!!