no vigésimo sétimo dia em nova iorque comprei um cadeado e luzes para a bicicleta. o mapa com as ciclovias já cuidadosamente estudado desde há uma semana e tal. é um cadeado kryptonite que espero que não me deixe ficar mal. bicicleta é da casa, e como tal, até nem é um mau negócio, até porque o cadeado e as luzes são facilmente transportáveis na viagem de volta (sim, porque por aquele preço têm mais é que durar uma vida inteira!)
no vigésimo oitavo dia acordei às 7 da manhã e às 8.45 estava de capacete na cabeça a sair de casa mais veloz que o costume. a zarpar pelas ruas de brooklyn, embora cuidadosa e atenta aos carros e outros ciclistas. por dentro, toda eu um sorriso de braço a braço.
acho que nasci para viver numa cidade em que posso andar de bicicleta para o trabalho. o vento no cabelo, os prédios e as pessoas a correrem para trás, substituidos por outros, os mil olhos nos carros, que são crocodilos no rio das estradas, furiosos e imprevisíveis. vuuuuuuuuuuuum e lá vou eu assim que o sinal fica verde. a bedford e a fulton e a smith e logo a seguir já estou na ponte de manhattan porque passei a entrada para a de brooklyn. vuuuuuuuummmmmm se bem que a primeira parte é um bocado puxada. dou às pernas porque tem de ser, estou no meio da ponte e para a frente é que é o caminho! uns metros adiante os outros ciclistas parecem desaparecer no horizonte e apercebo-me do presente que me espera - uma descida até manhattan em que não pedalo, não faço nada a não ser controlar a velocidade para não voar ponte fora, a não ser sentir o vento e a manhã a fazer-me festas na cara. chego ao fim da ponte, estou em manhattan, no meio do caos. sigo em cardume pelas ruas, mal precisando de olhar em redor para perceber onde ir. a sinalização não podia ser mais simples: west. e lá vou eu. depois é só virar e ir para norte até à 23. entretanto passei pelos cheiros de chinatown, pelos parques, ruas avenidas e vi mil coisas que me ficaram gravadas numa pen mental, mesmo sem me aperceber. vuuuuuuuuuummmmmm e já cheguei, com energia para dar e vender.
no final do dia, mal podia esperar por voltar a pegar na bici e percorrer a cidade rumo a brooklyn. quantas combinações de caminhos diferentes por descobrir! decido descer pela ciclovia que segue ao longo do rio hudson, do lado oeste e que vai mesmo até ao sul da ilha. é perfeito porque é isolado dos carros e tem uma grande zona verde, para não falar do rio e da vista maravilhosa. a ciclovia está cheia de pessoas que voltam do trabalho, algumas verdadeiros businessmen de fato e gravata que esvoaça por cima do ombro. mas não só: skaters, joggers...
já tinha sentido uns pingos de chuva ao sair do trabalho, mas nada de grave. até refresca pensei eu. mas ao começar a descer em direcção ao sul, a chuva foi-se intensificando mais e mais. passou de torrencial a dilúvio e de dilúvio de porporções bíblicas a monção. fiquei não só com a roupa completamente ensopada como todo o conteúdo da minha mala, empapado e a escorrer água. ri-me com o caricato da situação, todas aquelas pessoas apanhadas de surpresa pela chuva, todos nós vítimas de uma graçola qualquer que a cidade nos prega só porque pode, só porque seja o que for o faz em grande. na verdade o que senti foi um misto de histerismo com medo de cair e espetar-me numa poça qualquer, de escorregar. mas agarrei-me com toda a força ao guiador e fui devagar por entre as cortinas de água. isto é um teste, pensei eu. ninguém desistiu de ir de bicicleta para casa e eu nao vou desistir também. mais à frente parei num sinal vermelho e perguntei à rapariga que ia à minha frente se por acaso ia em direcção à ponte. disse que sim e segui-a, livrando-me da preocupação de tentar ver as placas que a esta altura não eram mais do que borrões. as luzes deram um jeitão, piscando à frente e atrás, e acho que até os carros tiveram pena de nós corajosos e se encarregaram de nos facilitar a vida. lá segui atrás da minha guia, vuuum e a chuva ainda piora, mais forte agora que o duche da minha casa. paramos noutro sinal e eu confesso-lhe lá de trás que é o primeiro dia em que fui de bicicleta para o trabalho. rimo-nos! diz-me por sua vez que é o primeiro dia dela a andar à chuva. rimo-nos ainda mais! vou morrer afogada! grito. do conforto de uma esplanada protegida por um toldo, um senhor assiste à conversa enquanto janta e exclama: a sorte é que quando chegares a casa vai parar de chover! rimos todos e o sinal fica verde, encerrando mais um dos episódios caricatos que por aqui são ao preço da chuva.
e sim, assim que entrei na minha rua, ela parou. ri-me a bom rir, ensopada e feliz.
6 comentários:
acham que esta coisa do 'ler mais' vale a pena?
acho que sim. fica mais fácil, quando se quer ver os comentários, encontrar o fim dos posts. estou farta de me rir contigo, mariecas :)
:D
vao duas! Farto-me de rir e de ficar c sorrisos tolos na cara...e sinto-me uma preguiçosa de primeira todos os dias! que energia Maria! hehe
tinha uma imagem tão diferente disso aí! na minha cabeça NY era só confusão sem espaço pra estas coisas :)
love it!
pois na minha cabeça também era bastante diferente... por isso ainda me surpreendo, o que até é bom! pensava que os americanos eram burros e gordos. mas nada sabia dos novaiorquinos.
raquel, obrigada!! mas olha, claro que isto que estou a viver é atípico... há um mês estava a arrastar-me de casa para o trabalho, do trabalho para casa! por isso nada de achares que és preguiçosa!! ai! beijinhos grandes!!
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